terça-feira, 22 de junho de 2010

Word Cup

Sempre admirei o dom de se jogar com as palavras.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Dando uma de comentarista de futebol

Ontem Wandereley Luxemburgo do Atlético-MG comunicou ao veterano Marques sua dispensa. Surpreso, Marques, que achava que seu contrato seria renovado até o fim do ano, demonstra ter aceito a decisão com resignada compreensão.

Aos 37 anos e mal atuando pelo time, já era hora do Marques aposentar e tocar a vida. Após contar por muitos anos com o ótimo futebol desse jogador e fazer sua glória, já era hora do Atlético deixar de lado a atitude de apadrinhamento de um jogador cujo valor era mais simbólico e sentimental. Sim, para nós hoje o Marques é mais uma lembrança viva de uns anos atrás, quando o Atlético chegou à final do Brasileirão, conquistou a Conmebol, disputou a Libertas e por aí vai. O Marques já fez sua parte pelo Galo e não se pode pedir que faça mais.

A decisão é sem dúvida graças ao Luxa. Se dependêssemos da massa, muito provavelmente o Marques ficaria no plantel até o fim do ano. O Kalil fez bem em contratar um técninco experiente, estrategista e com visão corporativa. A equipe está pensando alto, contratando jovens talentos e segurando os trunfos que já temos, e este é o caminho. Chega de viver de passado. Time de futebol não é pensão.

Marques tem seus planos para o futuro dele, o que é muito bom. Se for mesmo se candidatar, a massa votará nele em peso e ele sabe disso, porque quer ser logo deputado estadual. Ele sabe que todo o carinho, dedicação e respeito etc. vão continuar, ele os levará para o que quer que faça.

Kalil, você poderia fazer como fizeram outras equipes e dar ao Marques funções técnincas ou administrativas dentro do Galo. É importante ter antigos heróis ainda afiliados à instituição. Assim é o Leonardo para o Milan, assim é o Sorín para o Cruzeiro.

Às vezes precisamos seguir em frente, o que quer dizer afrouxar certos laços. Prender-se ao passado ou à nostalgia pode ser contra-producente. Reparem que eu não disse desfazer. Os laços continuam, só precisamos saber apertar ou soltar como pedir a situação.

sábado, 8 de maio de 2010

Globalização e Alienação - internet e interlíngua

Se por acaso você não sabe, sou professor de inglês e estudante de literaturas nessa língua. Minha área de atuação me faz estar em contato com a "língua de Shakespeare" 7 dias por semana, no mínimo 12 horas por dia. Afinal de contas, a "língua de Shakespeare" é hoje o idioma da tecnologia, dos negócios, da academia e do entretenimento. Ensinar inglês é lidar diariamente com as necessidades e expectativas de pessoas as mais diferentes que aspiram para si mesmas a um pouco da minha rica vivência com a lingua franca da atualidade. Para mim uma experiência privilegiada, mas ao mesmo tempo alienante, da qual quero falar um pouquinho.

Costumo dizer aos meus alunos, principalmente aos iniciantes, que aprender inglês é de certa forma como deixar de ser analfabeto, como desvendar olhos e enxergar tudo ao redor. No offense. Em grande parte não passa de retórica de primeira aula, discurso inicial, um jeito de exaltar os ânimos e impactar o moral daqueles que estão ainda céticos consigo mesmos. Ou que não têm idéia da significado de se aprender inglês.

Mas por toda a retórica pomposa, a afirmação não deixa de ser verdade. A pessoa que no mínimo lê em inglês fluentemente tem acesso a todo um universo de opções e possibilidades que o monolíngue às vezes nem sabe exisitirem. Veja-se, por exemplo, os adolescentes de hoje. Qualquer um deles navega a internet, ouve músicas, assiste a filmes e joga videogames e inglês, tudo sem necessariamente falá-lo com fluência. Suas práticas quotidianas requerem e ao mesmo desfrutam do idioma, o que para eles é absolutamente natural. Para adultos, os propósitos são mais específicos, e a falta do inglês pode significar prejuízos diretos, como a perda de uma oportunidade profissional ou incapacidade de acessar informações importantes, por estarem disponíveis numa língua que não conhecem. O falante de inglês se torna um componente ativo na engrenagem do mundo atual: realiza seus propósitos, interage em escala global e consegue satisfação pessoal. A língua se torna o trampolim para um desenvolvimento intelectual ainda maior.

E eu nessa história? Simples: ensino todo esse contingente ansioso a achar seu lugar no globo. Nada simples: me encontro frequentemente numa condição de auto-alienação. Por várias horas do dia, falo uma língua que não é a minha materna. Por causa da minha escolha acadêmica, quase 90% das minhas leituras são em inglês, não em português. Escrevo em inglês mais que em português, e o estilo da pimeira acaba interferindo decisivamente no da segunda. Quem fala duas línguas ou até mais sabe que o cérebro tem uma certa dificuldade pra armazenar e associar tanta coisa, fato cientificamente comprovado. Sou a prova disso: as palavras me fogem o tempo todo, sei-as em inglês melhor que em português. Esforço-me, mas é quase impossível resgatá-las na memória quando preciso. Também penso em inglês: as exclamações de raiva e alegria saem automaticamente traduzidas, não há Google que seja páreo para mim. Sem falar que cada língua traz embutida uma visão de mundo e uma lógica própria diferentes.

Tudo isso me frustra um pouco.

Por tudo isso e mais, acabo conhecendo a cultura angófona melhor que a própria brasileira! Leio mais literaturas em inglês que em português, ouço rock, jazz e blues e no entanto desconheço grande parte dos nossos gênios musicais; ainda estou pelejando para ler os grandes intérpretes da nação brasileira (Sérgio Buarque, Darcy Ribeiro e outros) mas posso me gabar de ter lido Thomas Hobbes e Charles Darwin no original. Li o Paraíso Perdido de Milton mas ainda não li o grande épico português Os Lusíadas.

Nada mal, mas podia ser melhor ainda, se eu tivesse tempo para exercer os dois lados.

Grande parte dessa imersão quase 24 horas é, sem dúvida, devido à internet, que facilita o acesso a absolutamente tudo. Graças a ela, não há mais barreiras geográficas para a informação. Concluo que o resultado disso para mim, e outros em condição semelhante, é um pouco alienante: no mundo globalizado somos cada vez mais indivíduos e menos membros de uma coletividade. Estar aqui agora, ser brasileiro e falante de português são uma mera questão de circunstância, isto é, algo facilmente mudável. De certa forma, estar em outro lugar falando outro idioma e imerso numa outra cultura não representam nenhuma mudança dramática num mundo que adotou uma língua em mais de 5 mil. E com todo esse mundo ao alcance do mouse, deixamos de ser apenas brasileiros, americanos, europeus, cristãos, muçulmanos etc. Podemos ser quase qualquer coisa, podemos nos identificar com o que bem quisermos.

As portas da percepção foram abertas, fellas. Eis a era do do it yourself, do self-made self. Eis o milagre da informação.

Isto é, se você está com o seu inglês em dia. Se não estiver, ainda dá tempo.

PS: e pra não dizerem que estou fazendo "merchã", não estou disponível para aulas.

sábado, 6 de março de 2010

Personagens queridos da nossa infância

Por toda nossa infância, essa turma encheu nossos olhos e ouvidos com cenas fárcicas, absurdas e violentas, pontuadas por falas cínicas e até mesmo assustadoras, arrancando de nossa ingenuidade e recôndita torpeza gargalhadas do mais puro deleite. Por tudo isso, os personagens dos cartoons clássicos da TV merecem uma modesta homenagem. Quando foram criados por gênios da animação, hoje muito distantes, o mundo se importava pouco ou nada em ser politicamente correto. Para muitos hoje o riso deve sair meio contido diante dos horrores que saltam da tela, mas a qualidade deles é inegável. Contemplemos aqui um breve perfil de alguns desses irreverentes personagens do humor à moda antiga.

1. Tom e Jerry


Muito além da velha idéia de que gato e rato não se gostam, esses dois representam o conflito de poder. Dotados cada um de vantagens e desvantagens no ambiente em que vivem, gato e rato querem passar um por cima do outro, com estilo e humilhação, a fim de gozar dos privilégios disponíveis no pedaço, sejam eles ter acesso irrestrito à geladeira ou ter boa reputação com o dono da casa. Tipicamente, também fazem jus à idéia de que nos subúrbios americanos pouco há pra fazer exceto encher o saco um do outro em rixas menores, mas que são levadas muito a sério. Pode-se ver isso nos episódios que começam com Tom brincando calmamente com Jerry, fingindo que o deixa fugir mas logo capturando-o de novo entre os dedos. Um clássico da pancadaria com clichês consagrados, como a pá e o varredor de grama caídos no chão pro coitado levar porrada de frente e de trás.

2. Pernalonga e Patolino (Bugs Bunny, Daffy Duck)


Epítome maior do cinismo, esse coelho pernalta é quase um dândi em seu estilo performático e ar superior de que o problema não é com ele. Esperto e de longe favorecido pelos roteiristas, Pernalonga leva seus antagonistas à loucura ao superá-los sem transparecer o menor esforço. Dois deles são, é claro, Patolino, o eterno boi de piranha, fracassado que tenta a qualquer custo "sobreastuciar" o rival orelhudo, quase sempre sem sucesso, e o clássico redneck Eufrasino Puxa-Briga (Sam Yosemite), cuja habilidade no gatilho não lhe serve para pregar o coelho. Pernalonga é, pois, aquela figura que você adora, dependendo da sua natureza, ou mais provavelmente quer esganar, já que o que ele faz com os outros e deixa de sofrer deles força a amizade até mesmo nos desenhos mais absurdos. Um momento notável, entre tantos, é quando, ao encarnar um pianista, ele puxa um revólver e sem o menor pensamento atira num cara na audiência que não para de tossir. Logo depois, ele interrompe o concerto no meio e atende o telefone: "Que é que há, velhinho? Quem? Franz Liszt? Não, nunca ouvi falar. Foi engano." É claro que foi.

3. Frangolino e Barny (Foghorn Leghorn) 


Eis um dos meus favoritos. Direto ao ponto, sem muitas sofisticações de trama, alusões, trilha sonora ou mesmo diálogo, ao contrário do Pernalonga, Frangolino é farsa pura, porrada do começo ao fim. Ainda bem que Robert McKimson empregou sua criatividade em desenhos e não em salas de tortura do exército americano, ou muito prisioneiro teria comido o pão que o diabo amassou. O personagem homônimo usa seu ócio exclusivamente pra pensar em formas de avacalhar com seu vizinho de fazenda, o cachorro Barny, nome adotado em português para o original Barnyard Dawg (grafia que ilustra o sotaque interiorano carregado do Frangolino). Na cena mais clássica, Frangolino puxa o rabo do inimigo adormecido dentro da casinha, espanca o traseiro dele com uma ripa e sai correndo até onde a corda na goela do cão não vai mais, ao que este solta um ganido de dor com a língua de fora, que o galo por fim pega, estica e cobre com uma mão de tinta. A risada sai culposa, mas fazer o que?
 
4. Pica Pau (Woody Woodpecker)


Desonesto, sacana, guloso, mulherengo, ganancioso, preguiçoso, cruel etc., não há quem supere o velho anticristo Pica Pau. Eis a imagem de todos os defeitos possíveis num só corpo e espírito. Vermelho, branco e azul, este personagem é uma alusão atrevidíssima à própria personalidade norte-americana, àquilo que é a dominante na mentalidade do povo daquele país, o individualismo, obviamente exagerado às últimas consequências no desenho. Analisado em relação ao seu pano de fundo, Pica Pau é o malandro americano, incorporando muito do ceticismo, cinismo e decadência do cidadão urbano que sofria as agruras da crise econômica, nos tempos da máfia, do blues e do jazz. Grosso modo, um "Zé Carioca gringo" sem a suposta alegria do samba e das praias tropicais. Em alguns episódios, a criatura de Walter Lantz (que teve a centelha após um espécime tê-lo pertubardo em sua lua de mel) também encorpora outra figura pela qual o imaginário ficcional americano sempre nutriu grande obsessão, o psicopata. Sofisticado até hoje, o desenho esbanja tiradas verbais, alusões variadas - como a da foto acima - e elementos metalinguísitcos e teatrais genialmente perturbadores, além de retratar os Estados Unidos. Como exemplo da incorreção política, temos o índio estereotipado, burro e ingênuo. Como o colega Pernalonga, um personagem pra se amar ou odiar. Figurantes no desenho incluem Zé Jacaré e Zeca Urubu, ambos parceiros de podridão moral, além de Meaney Ranheta e Leôncio, figuras autoritárias, humanos narigudos com formas animalescas e atitude moralista que são totalmente esculachados pelo pássaro demoníaco. Não deixe de conferir o episódio em que ele tenta descolar umas pipoquinhas duma velhinha no Central Park.

Há algo nesses desenhos que expõe a natureza contraditória do humor. Frutos da chamada Era de Ouro da animação americana, de fins da década de 20 a fins da de 60, os tantos cartoons da época eram e ainda são espelhos distorcidos pelos quais criticamos e ao mesmo tempo reafirmamos valores contestáveis. Perto desses, os atuais bonitinhos e politicamente corretos da Cartoon Network e outros são realmente brincadeira de criança (mas também são excelentes). Subversão é a palavra, mas eficazmente maquiada pela gargalhada. Irônico que a maioria de nós os tenha conhecido na infância. O mundo mudou, mas eles continuam aí, ainda que repaginados, mais redondinhos, bonitinhos, modernos, ou representados por seus filhotes, como Tom e Jerry. Testemunhas dos tempos e da incorrigível natureza humana.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A ciber-religião de Avatar

Fui positivamente surpreso pelo mais novo blockbuster da animação digital, Avatar. Mas antes de acharem que é prepotência minha, digo logo que se tratava duma pré-indisposição sem embasamento. A despeito dos elementos típicos, como uma trama convencional e personagens retos, há idéias bem interessantes nesse filme.

Que a história passa uma mensagem de respeito e amor à natureza é claro. O que eu achei interessante foi a forma como é desenvolvida a divindade dos habitantes de Pandora, Eywa. Manifesta em forma de árvore, o que a liga às mais antigas crenças religiosas do mundo, Eywa é uma espécie de banco de dados pelo qual os Na'vi podem acessar uns aos outros, literalmente fazer dowloads e uploads de informações e até mesmo interagir com seus antepassados. Ou seja, Eywa é como um grande servidor que tudo regula, conectada a toda a criação através duma rede, uma LAN. As criaturas são, assim, como computadores, o que possibilita que todos literalmente se conectem e se entendam. Tanto é que o contato entre os gigantes azuis, os animais e a grande Eywa é estabelecido fisicamente, por uma espécie de cabo na cabeça, que Na'vis e animais possuem igualmente, de onde saem fios que se entrelaçam uns nos outros. Isso é ou não é uma espécie de porta USB?

Por tudo isso, no mundo de Avatar a fé e a percepção do divino são mais concretas do que pra nós, é uma espiritualidade original que precede a cultura, mas ao mesmo tempo uma noção muito moderna de religiosidade, ou essa é a impressão que eu tive. Neytiri, a amiga de Jake Sully, afirma que tudo está conectado e que a energia nunca se perde, mas é sempre emprestada e um dia teremos de devolvê-la; clichês que fazem um novo sentido se virmos a religiosidade Na'vi dum ponto de vista, digamos, informatizado. Ponto pra James Cameron, que aplicou uma idéia batida de forma interessante, despertando uma questão intrigante: assim como cremos na internet e seu poder de nos unir pro bem, será que nos seria mais fácil abraçar algum tipo de espiritualidade se percebêssemos que a natureza nos une de forma semelhante, como num ciberespaço real? Nosso desafio é maior que o dos Na'vi, pois não temos cabos USB pra nos ligar diretamente à árvore-mãe; nossas conexões são menos concretas.

A idéia da terra-mãe, Gaia, é muito antiga: dizem alguns que o mundo começou a descambar a partir do momento em que a civilização condenou as divindades femininas, demonizou a mulher e o sexo e adotou religiões patriarcais, fundadas sob a égide de imagens masculinas severas e punitivas.

E pra mostrar como Avatar tem tudo a ver com conectibilidade, digo que o filme me lembrou o clássico Blade Runner. Avatar se insere na categoria de filmes sobre o apocalipse, o fim do mundo pelas mãos do próprio homem. As imagens são espetaculares e chocantes. Numa busca no youtube, achei de cara a cena que me veio à cabeça, quando Roy Batty (Rutger Hauer), prestes a morrer, diz estas memoráveis palavras:

"I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhauser gate. All those moments will be lost in time... like tears in rain... Time to die."

 Representante do Zeitgeist apocalíptico da cultura pop dos anos 80, essa passagem, creio eu, inspirou o The Cult a compor uma música (plágio?) chamada Soldier Blue, sete anos mais tarde, que tem os seguintes versos:
 
I've seen the sunset, the sea on fire
Ships burn off the coast of Orion
Dreams of peace wait on the horizon, oh yeah
Clouds filled with blood rain on the water
While nighttime's fingers clench the light shut
Our sister riders the horse, Apocalypse
Now is the closing
Love has no season
 
O título Soldier Blue, por sua vez, é uma possível referência ao filme de 1970 sobre o massacre dos Cheyenne no fronteira sul dos EUA, um apocalipse por si só. Soldado Azul (!!!) se notabilizou pela violência pretensamente realista. A trilha sonora de Buffy Sainte Marie, descendente de nativos norte-americanos, também é muito famosa. Em vez de colar a letra aqui, deixo logo o link.
http://www.youtube.com/watch?v=tqaEdk4Jsko
 
E concluo este post avatarmente.