quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Grão da vida

A soja (Glycine max) é originária do extremo oriente. Sua importância na subsistência dos povos daquela região é imemorial. O nome vem do chinês jiàng yóu, que em japonês virou shōyu, que finalmente deu as pronúncias européias. Rica em proteína, dela se fazem vários pratos diferentes, alguns dos quais conhecemos, como o insosso tofu, o azedo natto e a sopa feita com pasta miso (leia este interessante verbete sobre gosto adquirido).

Hoje a soja atende a inúmeras demandas do mercado alimentício e até doutros, sendo especialmente apreciada pelos vegetarianos, que, graças a ela, podem degustar sem culpa sanduíches, lasanhas, strogonoffs, pasteis e até mesmo cachorros quentes. Sim! há salsichas de soja, não muito eficientes no quesito sabor, mas muito no quesito aparência e textura. Além desses itens paliativos para vegetarianos, o leite de soja nutre indivíduos com a incoveniente intolerância a lactose. De preferência não processada, comer soja ajuda mulheres a amenizar os efeitos da menopausa, a chamada reposição hormonal. Por fim, não podemos esquecer o trivialíssimo óleo de soja, sem o qual teríamos de pagar mais caro pelo óleo de milho ou girassol para cozinhar nosso arrozinho. No mundo globalizado, a soja figura entre as commodities mais importantes, constituindo um exemplo singular: os maiores produtores são os gigantes do Novo Mundo, Estados Unidos e Brasil respectivamente, de quem a própria China compra navios e navios do seu precioso e nativo frumento.

Apesar de todos os benefícios listados acima, o grão tem sido relacionado a alguns problemas ambientais e éticos ultimamente. Para aumentar sua produção, foram desenvolvidas variedades trans, o que suscita questionamentos quanto ao direito do homem de interferir tão intrinsecamente nos meios da natureza. Mais urgentemente, a soja tem causado a destruição de muita mata nativa, o que põe em cheque outra idéia, a de que o futuro está nos biocombustíveis. Nada é tão simples assim.

No país, fala-se da fronteira da soja, que engloba os longínquos Mato Grosso, Amazonas e Rondônia, entre outros, e de como essa "praga" está condenando a floresta tropical. Alguns parecem esquecer que a soja vem varrendo largas extensões do nosso cerrado e já bate a nossas portas. É o caso do Triângulo Mineiro, onde, em Uberaba, um homem morreu terça-feira 7 esmagado por nada menos que 12 toneladas de soja.

A princípio um acidente de trabalho, uma fatalidade lamentável. No meu modo de ver, uma brincadeira lamentável. É difícil imaginar a situação com exatidão: o rapaz dava manutenção nas máquinas quando escorregou pra dentro dum dos funis escoadores. De qualquer forma, meter-se em 12 ton. de grãos confinados num galpão sem os devidos cuidados é querer demais, é como querer escalar a paredes de Itaipu, em pleno funcionamento, para pegar uma balde d'água ou dois. Ou mesmo entrar numa jaula com um tigre faminto e achar que ainda vai dar um jeito nele só com as mãos nuas. Com tantas notícias sobre tufões, tsunamis, enchentes etc. ilustrando a força avassaladora da natureza sobre nós, um bando de homens descuidados acha que "manjar" (palavra do pai da vítima) é o bastante.

Imaginem a pressão de toneladas. Os bombeiros gastaram 18 horas pra resgatar o corpo. Foi preciso usar galões de oxigênio para mergulhar nas profundezas de grãos.

Tanto trabalho pra dar fins os mais diversos à soja, tão pouco pra garantir que uma pessoa não saia morta de sua parte na logística da coisa. Um sacrifício pelo nosso hamburger, pelo nosso leite, pelo nosso óleo, pela colheita abundante. Assim se perpetua a vida.

http://www.socbrasileiradegeografia.com.br/revista_sbg/carlos%20a%20f%20silva.html

4 comentários: