sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A opulência dos trópicos e dos nórdicos

Em Belo Horizonte, um caminhão carregando quatro vezes mais gado do que deveria é preso após acidente. Como a carga não tivesse licença do Ministério da Saúde, dezenas de bois foram sacrificados. Em Estocolmo, uma espécie não-nativa de coelho é tão bem adaptada que se tornou, por assim dizer, uma praga. Como causam incoveniências ao erário, sujando parques e ameaçando a fauna e flora locais, a prefeitura da capital sueca permite que milhares desses bichos sejam caçados todos os anos. Em 2008 foram 6 mil. O destino final de tantos coelhinhos mortos: o alto forno.

Se você pensou que os suecos estão comendo churrasco de coelho em escala industrial, sua ingenuidade prova que você é um brasileiro acostumado ao sol, à cerveja gelada e à picanha na brasa. No frio das terras nórdicas as necessidades são mais elementares: os coelhos geram energia para esquentar lares suecos. Seus corpos são congelados até atingirem um número alto, depois são esmagados, triturados e levados ao fogo com restos de lixo, pixe e o que mais houver. Sustentabilidade ambiental e algumas famílias aquecidas inverno adentro.

Um holocausto diário? Pense à vontade, pois são ambos problemas extremamente complexos. Enterrar toneladas de lixo no solo, às vezes perto de cursos d`água, me parece até um problema mais sério, mas nos dois casos acima estamos falando de vidas dizimadas com pouca ou nenhuma consideração. O que me assusta é como podemos estar tão confortáveis perante situações assim. Na Suécia, a reação ao uso dos coelhos foi chamada "moderada." Aqui no Brasil, todos sabemos que há muitos fornecedores irregulares de carne abastecendo o mercado com produtos desprovidos de higiene e dignidade, e no entanto a grande maioria de nós sequer se lembra da palavra procedência quando vai às compras. Como diria Hamlet, se tivesse tido a chance de parar por aqui, há mais entre o abatedouro e aquele espetinho do que sonha nossa vã filosofia.

A crueldade com que a vida tem sido tratada é, em grande parte, a forma desumanizadora com que o capitalismo lida com as coisas, à medida que a procura por um produto e a perspectiva de lucro atingem níveis gigantescos. Acontece que não podemos simplesmente culpar o sistema como se estivéssemos fora dele. Nós, também, somos agentes dele e precisamos reavaliar nosso papel. Sei que é difícil, mas precisamos pelo menos refletir se quisermos de fato buscar soluções. Não podemos apenas cobrar de nossos políticos. Temos que nos compremeter e contribuir para melhorar esse mundo fodido.



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