sexta-feira, 11 de setembro de 2009

BBC Coast - a arte do documentário


Devo dizer que sou fã da BBC. A rádio dispensa comentários. Tem notícias em várias línguas, entretenimento de altíssima qualidade (o show de sextas-feiras do Bruce!), esporte, cultura (teatro, poesia e música) e até uma sessão para aprender inglês muito boa. Houve até o caso mostrado no Globo Repórter dum menino em Pernambuco que aprendeu inglês apenas ouvindo a BBC, que o potente rádio dele conseguia sintonizar daqui dos trópicos. É, não se fazem mais rádios como antigamente. Agora o lucky bastard deve falar inglês melhor que 70% da população do Reino Unido.

Se há algo da British Broadcasting Corporation que não me toca muito é o portal de notícias que pegamos na TV a cabo, pois só dá Oriente Médio, e nós temos mais do que lembrar. Bons mesmo são os documentários - a Globo que o diga. Entre esses está aquele que só recentemte descobri: Coast, ou, literalmente, costa. Embora o nome possa sugerir algo pouco interessante, esta série foi aclamada pela crítica e agora está, como fazem os desbravadores dos mares, içando velas rumo a praias estrangeiras para descobrir o que fez da Grã-Bretanha o grande império ultramarino que ela foi. Até onde sei, a próxima parada é a Noruega dos fjords e dos temíveis marinheiros Vikings.

Talvez você não se interesse em saber sobre o legado costeiro da Grã-Bretanha, em cujo caso não o julgo. Mas, em último caso, não há como negar que Coast faz aquilo que todo bom documentário deve fazer: te arrebata, magicamente planta a semente do interesse em você, fazendo um assunto antes indiferente se tornar intrigante. Um bom documentário faz você querer fazer um documentário, porque qualquer coisa pode render um, desde que você deixe bem claro seu propósito, ou seja, o porquê de fazer um documentário sobre determinado tema. A essência por trás disso não é única da arte de se fazer documentários, afinal, se você vai fazer uma apresentação na faculdade, vai escrever um poema sobre o pulo do gato, ou vai contar uma piada, não pode simplesmente presumir que seu tema é do interesse do ouvinte; mesmo que seja, tem de usar um pouco de retórica para polir a maçã, dourar a pílula, gratinar a torta, enfim, você entendeu...

Com no máximo 60 minutos, cada episódio de Coast se concentra num determinado trecho de costa, por exemplo, de Cork a Dublin, geralmente uma distância não maior que 300 quilômetros. Para abrir o território a várias dimensões, o foco se desdobra em no mínimo três frentes, todas a cargo de pessoal qualificado. O geógrafo e andarilho inveterado Nicholas Crane nos apresenta a cor local de cada trecho, as paisagens e os moradores locais. O historiador/arqueólogo Neil Oliver (sujeito carismático!) se encarrega de desenterrar as estórias humanas que marcaram os lugares. A antropóloga Alice Roberts cuida da geologia, sujando as mãos para mostrar do que é feito o chão que pisam os britânicos. Miranda Krestovnikof, zoóloga, mergulha para explorar as águas costeiras. Mark Horton cuida da geologia marítima e o bigodudo engenheiro Dick Strawbridge (nome curioso) das marcas sólidas que o homem deixou e deixa na paisagem natural tortuosa da costa britânica.

É fascinante aprender como os homens são ao mesmo tempo tão grandes e pequenos onde a terra encontra o mar. Por um lado, domamos a natureza construindo portos e navios que servem às nossas necessidades. Por outro, um tsunami pode destruir tudo em questão de minutos. Menos catastroficamente, todos os anos o mar consome uns poucos centímetros de costa, de modo que todo o esforço de engenharia pode ir por água abaixo, literalmente, se a terra onde pisamos não para de recuar. As ondas podem ser ao mesmo tempo uma benção e uma maldição. Morando em locais assim, seja no UK ou em qualquer lugar do mundo, me parece que a solidez de nossos bairros, ruas asfaltadas e casas de tijolos se torna muito frágil diante das forças selvagens da Terra. Especialmente em tempos de aquecimento global.

Infelizmente, Coast não parece estar disponível em português (falo sem certeza absoluta). Talvez alguma boa alma com tempo de sobra legende os episódios e os ponha para baixar na net. Até lá, se nenhum outro recurso couber, delicie-se com as imagens, que, como dizem, valem por mil palavras.

http://www.youtube.com/watch?v=F5JQ3oA9r1c

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